Índio da Costa: “Legislação sobre Arquitetura e Urbanismo é mediocrizante”
Arquiteto falou das incertezas de um mundo em transformação na II Conferência Nacional de Arquitetura e Urbanismo
Os desafios de um mundo em intensa transformação foram o tema principal da palestra magna realizada pelo arquiteto Luiz Eduardo Índio da Costa na II Conferência Nacional de Arquitetura e Urbanismo, no Rio de Janeiro. “Eu nasci na década de 1940, quando o mundo era mais tranquilo, havia uma definição muito clara das coisas, mas foi ficando cada vez mais rápido e vertiginoso. Os pontos de apoio desapareceram, todas as incertezas estão postas na mesa. Isso modifica o nosso comportamento, nossa maneira de sentir e certamente nossa Arquitetura, nosso trabalho”, disse. Gaúcho de nascimento, foi criado, formou-se e desenvolveu sua carreira no Rio de Janeiro. Sua marca está em diversos projetos na cidade maravilhosa, como o Instituto Nacional de Metrologia (INMETRO), Sesc Madureira, Colégio Veiga de Almeida, Rio-Cidade Leblon e da Revitalização do Pier Mauá. Recebeu a Comenda Oscar Niemeyer do Conselho Superior do IAB, o Prêmio Roberto Cláudio dos Santos Aflalo e Prêmio Sergio Bernardes, concedidos pela Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura (AsBEA) pelo conjunto de sua obra. Mais recentemente, foi parceiro do escritório Diller+Renfro, de Nova York, no projeto do Museu de Imagem e do Som, em Copacabana.
Apesar das incertezas do mundo contemporâneo, Índio da Costa não abandona o otimismo. “Nosso instrumental de trabalho, com programas avançados, é mais rico, forte e abrangente, temos mais alternativas e possibilidades. Nosso horizonte, que era limitado, é hoje infinito”, disse. Mesmo as obras das Olimpíadas de 2016, cercadas de problemas e acusações de corrupções, ele enxerga um legado positivo. “Você pode dizer que não era o esperado, ou que custou caro demais, mas ele existe”, argumentou. “É impossível não enxergar um legado positivo. A retirada da perimentral foi excelente, a cidade renasceu. O VLT também, apesar de não ser o que eu gostaria que ficasse.”
Sua principal crítica foi reservada á legislação brasileira, que não sua opinião é extramamente detalhista, muitas vezes contraditória, e acaba por limitar a criatividade dos arquitetos e urbanistas na hora de imaginar soluções para as cidades brasileiras. “A legislação urbanística é um subproduto de nossas diferenças sociais, é elitizada, complexa, dificílima. Tem que ser urgentemente revista e simplificada. Não pode mais ser estratificada, tem que estar em eterna ebulição. Não se pode ter regras rígidas, temos que ser capaz de mudar as regras a qualquer momento. Uma legislação enxuta dá margem a soluções mais criativas, que podem ser revisadas por instâncias superiores.”
SOLUÇÕES CRIATIVAS
Segundo Índio da Costa, os principais ícones arquitetônicos teriam muita dificuldade de serem aprovados hoje: o aterro do Flamengo, a duplicação de Copacabana, o bondinho Pão de Açúcar e até o Cristo Redentor. Ele conta que quando projetou o Sesc de Madureira, levou à Prefeitura uma maquete, recebeu muitos elogios, mas teve que explicar que algumas soluções estavam fora da legislação. A equipe do governo disse que não haveria problema, estava aprovado. “Isso não acontece mais, tem tanta vigilância em torno disso tudo, até pelos processos de corrupção que estamos vivendo. É preciso um Conselho Superior que esteja acima da legislação, conselho de notáveis, um projeto atípico deveria ir a esse conselho para ser avaliado”, afirmou. “A legislação é mediocrizante.”
Outro exemplo é o Centro do Rio de Janeiro, cuja legislação não permite pessoas morando nessa parte da cidade. “Não conheço nenhum lugar do mundo que não se permita moradia no centro da cidade, a não ser no Rio de Janeiro. Todo centro de cidade mistura habitação, comércio e serviços. No Porto Maravilha, o que precisa acontecer é habitação junto com comércios e serviços. Só vai funcionar no momento que as pessoas morarem ali.”
Para ele, cabe principalmente aos arquitetos e urbanistas promover as mudanças que as cidades precisam, porque lidam com futuro, suas obras devem ter a pretensão de sobreviver ao tempo. As cidades estão doentes e a sociedade está sofrendo. “Não sei qual é o ovo e qual é a galinha, mas é um circulo vicioso”, disse. “Nós arquitetos temos bastante consciência disso, está na nossa mão esse rompimento. Criar um novo conceito de cidade, com convívio mais ameno, mais humano, voltado para cidadão.” Para isso, no entanto, é preciso vigiar a soberba de querer traçar comportamentos para outros seguirem. “As pessoas querem que a Arquitetura traduza o que elas precisam, ela deve estar a serviço das pessoas, não as pessoas a serviço da a Arquitetura. Isso é um problema de soberba de nossa profissão, devemos ter cuidado para não cair nessa esparrela.”, afirma. “Eu fiz um projeto pra Rocinha e contratei 100 garotos para me ajudar. Passei três meses lá, mas eles passaram a vida inteira.”